Antes restrita a grandes estúdios, a produção audiovisual hoje nasce onde houver criatividade e conexão. Nesse cenário, o YouTube se firma como um espaço democrático da economia criativa no Brasil ao reunir canais de microcriadores e especialistas em diversos nichos. Esse ecossistema contribui com mais de R$ 4,94 bilhões para o PIB nacional, segundo a Oxford Economics, e gera mais de 130 mil empregos.
Em 2007, dois anos após a criação da plataforma, o YouTube implementou o compartilhamento de receita com os criadores por meio do Programa de Parcerias do YouTube. Com esse modelo de participação, os canais que atendem aos requisitos da plataforma recebem pagamentos mensais que equivalem a 55% do valor arrecadado com anúncios.
Nos últimos quatro anos, a monetização de vídeos pagou US$ 100 bilhões a criadores, artistas e empresas de mídia do mundo, de acordo com o relatório mais recente de impacto da plataforma.
Criadores ampliam inclusão, educação e novas narrativas
A jovem gaúcha Lorena Eltz, de 25 anos, foi diagnosticada ainda criança com Doença de Crohn e aos 12 anos passou por uma cirurgia de retirada de seu intestino grosso devido a inflamações. Com isso precisou colocar a bolsa de colostomia, se tornando uma pessoa com deficiência. Aos 15 anos, criou um canal no YouTube para falar sobre filmes, maquiagem e outros assuntos, mas no dia a dia e em seus vídeos não comentava sobre a colostomia por vergonha e medo da rejeição.
Após 8 anos escondendo ser uma pessoa ostomizada, Lorena revelou sua condição e começou a postar vídeos informativos e divertidos sobre o convívio com a doença crônica e com a bolsa de colostomia. Ela, que adulta também foi diagnosticada com autismo, cria conteúdo para ajudar e inspirar pessoas e hoje tem um canal com mais de 600 mil inscritos.
“Criar conteúdo sobre a minha própria doença na internet não é fácil. Converso sobre as coisas mais difíceis na minha vida, mas, ao mesmo tempo, falar tanto sobre a minha doença nos vídeos foi uma forma de desabafo pessoal. Os comentários que recebo e as pessoas que me param na rua para falar sobre a doença delas também estão desabafando, porque a gente precisa disso”, disse ela em vídeo publicado sobre como é ser influencer de saúde e inclusão.
A publicação de conteúdos na plataforma também é uma forma de divulgação que impulsiona empreendedores. Esse é o caso da trancista e historiadora Rafa Xavier, cujo canal conta com diversos vídeos sobre o universo das tranças: das técnicas e dicas aos aspectos socioculturais. Ela empreende também fora do YouTube: criou a Casa Nagô, um salão afro, e o Maalum, um spa afro-referenciado.
A monetização dos canais combina diferentes recursos oferecidos pelo YouTube. A plataforma ainda tem nos anúncios sua principal fonte de receita para criadores, dividindo com eles o valor gerado pelas publicidades exibidas nos vídeos e no Feed de Shorts. Assinantes do YouTube Premium também contribuem para esse retorno, já que parte significativa da mensalidade é repassada aos parceiros.

Além disso, Rafa utiliza o Clubes dos Canais, oferecendo vídeos exclusivos para membros pagantes, onde compartilha aulas completas para que trancistas iniciantes aprendam as técnicas e a como gerar renda com suas habilidades. O trabalho como criadora de conteúdo e empreendedora ganhou destaque: em 2022, ela foi selecionada pelo Fundo Vozes Negras do YouTube e, em 2024, venceu o Shark Tank Creators.
“Para que eu seja uma excelente creator, eu preciso ser uma empreendedora excepcional. Talvez eu seja mais empreendedora, porque não se sobrevive hoje no mercado da criação quem não entende as estratégias de empreendedorismo por trás disso”, disse na apresentação do seu projeto.
Assim como ela, Kizzy Terra e Hallison Paz também utilizam a plataforma para ensinar pessoas. Nos vídeos publicados no canal Programação Dinâmica, a dupla ensina sobre programação, ciência de dados e inteligência artificial, promovendo o pensamento crítico sobre o impacto das novas tecnologias.
Com publicações semanais, o canal conta com mais de 680 vídeos e foi selecionado pelo Fundo Vozes Negras (2022) e Criadores de Impacto (2024, 2025), entre outros, com destaque para o reconhecimento de Kizzy pela comunidade da associação I2AI como a Mulher destaque em Inteligência Artificial do ano de 2021.
Os conteúdos criados por esses canais contribuem para a percepção dos usuários da plataforma no Brasil: 80% concordam que o YouTube oferece oportunidades iguais para que todos aprendam e cresçam e 65% dos usuários relatam que costumam usar o YouTube para aprender uma nova habilidade. Entre os professores, 74% concordam que a plataforma ajuda os alunos a aprender e 83% que a plataforma ajuda a aumentar o engajamento dos alunos, conforme relatório de impacto da empresa.
Da cultura regional ao esporte global: a força da audiência e da renda digital
O Brasil é um país reconhecido pela diversidade cultural, e esse é o ponto central do canal Sua Música, que promove o lançamento de novos artistas e de artistas consagrados de forró, sertanejo, arrocha, pagode e axé. A divulgação de clipes, video lyrics, pockets shows e lives atraiu mais de 2 milhões de pessoas inscritas para acompanhar os vídeos publicados.
O Sua Música, que também transmite grandes eventos regionais, especialmente o São João, alcançou milhões de pessoas e bateu recordes em 2025: foram 4,6 milhões de pessoas alcançadas e 8,1 milhões de visualizações. Ações como essa vão ao encontro com os dados da plataforma: 81% dos usuários do YouTube no Brasil afirmam encontrar conteúdos que refletem sua cultura e perspectiva, e 65% reconhecem que a plataforma ajuda a preservar histórias e tradições locais.
Além de divulgar, o YouTube também ajuda indústrias da música e do audiovisual a financiar seu trabalho. Por exemplo, 79% das empresas de música com canal no YouTube concordam que a plataforma é uma fonte importante de receita para elas.
No esporte, o CazéTV é um exemplo de sucesso midiático e financeiro. O canal criado pelo streamer Casimiro Miguel em parceria com a LiveMode tinha o objetivo inicial de transmitir a Copa do Mundo de 2022, mas desde então, fez transmissões de Copas do Mundo (masculina e feminina) Jogos Pan-Americanos, Mundial de Clubes, Eurocopa, Olimpíadas de Paris, Brasileirão, Mundial de Clubes e da NFL de futebol americano.
Para atender ao público, algumas transmissões do CazéTV a partir do YouTube são retransmitidas na Prime Video, Disney+, Samsung TV Plus e Sky+. “Tornar bons eventos acessíveis é muito especial. Para alguns pode parecer super comum ver uma Eurocopa, por exemplo, mas às vezes você assiste porque tem TV paga, mas algumas pessoas não têm”, comenta ele sobre as transmissões esportivas do seu canal em entrevista durante o evento Rio2C.
Com mais de 23 milhões de inscritos, o canal tem contrato fechado para transmitir na íntegra todas as partidas da Copa do Mundo FIFA de 2026 – exclusividade que rendeu R$ 2 bilhões em patrocínios.
Para 77% dos criadores que ganham dinheiro, a receita obtida com anúncios no YouTube é uma fonte de renda fundamental. Na prática, esses criadores também atuam como empreendedores, pois o valor recebido costuma ser reinvestido em produção, equipes e operações, contribuindo para fortalecer a economia brasileira.
Como a economia criativa brasileira cresce impulsionada por milhares de criadores independentes, qualquer mudança regulatória precisa considerar a complexidade desse ecossistema. Regular o setor sem compreender essa dinâmica pode acabar criando barreiras que atingem justamente quem trouxe diversidade, inovação e inclusão para o audiovisual.
Esse debate se torna ainda mais urgente diante de propostas em tramitação no Congresso, como o Projeto de Lei do Streaming (PL 8889/2017), aprovado na Câmara, e o PL 2331/2022, que seguem caminhos distintos para regular a atividade de plataformas e criadores. O desafio, portanto, é construir uma política pública que fortaleça o audiovisual brasileiro como um todo. A discussão ocorre em um momento em que conteúdos digitais têm papel crescente na economia e na circulação cultural do país.
Fonte: Jota
