Mercado JurídicoSimplicidade para as possíveis soluções processuais na reforma tributária

Simplicidade para as possíveis soluções processuais na reforma tributária



Em 8 de abril foi publicada a Portaria da Presidência CNJ 96, a qual instituiu grupo de trabalho sobre “a reforma processual tributária”. Nesse ambiente, deverão ser pensadas soluções relacionadas ao processo tributário diante do contexto reformador o que, nos parece, requerem o enfrentamento de perguntas como: qual(is) órgão(s) jurisdicional(is) competente(s) para os contribuintes manejarem ações antiexacionais visando impugnar a exigibilidade do IBS e/ou da CBS, ou para os fiscos ajuizarem as execuções fiscais?

Mas não é só, há outras questões: especialmente em relação aos contribuintes que vendem bens ou prestam serviços para múltiplos estados/municípios da Federação, se nesta hipótese deverão propor tantas demandas de idêntico teor quantas forem as localidades em que ocorrer o consumo do bem ou serviço, o que contraria a eficiência da Justiça? Pode haver reunião de ações ajuizadas perante órgãos jurisdicionais diversos dentro de uma mesma extensão territorial, nos termos do artigo 69, § 2º, VI do CPC?

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O Comitê Gestor deveria constar do pólo passivo destas ações propostas pelos contribuintes, para atrair a competência da Justiça Federal? Em se tratando de tributos semelhantes (lembrando que o IBS é um imposto e a CBS, uma contribuição), a União poderia ser inserida no pólo passivo, de modo a que a ação seja ajuizada na Justiça Federal do Distrito Federal? É possível derrogar regra de competência absoluta em razão da formação de litisconsórcio?

Na hipótese de o Comitê Gestor figurar no pólo passivo das ações, é razoável imaginar que preste informações em centenas de mandados de segurança impetrados aqui e acolá? Enfim, a lista de dúvidas é extensa.

Em razão de tais questionamentos ainda estarem em aberto e pelo fato de nos encontrarmos a poucos meses para que as disposições da LC 214 entrem em vigor, surge a necessidade de a sociedade pensar sobre o regramento de natureza processual necessário a instrumentalizar os eventuais conflitos que possam surgir nesse novo ambiente.

Propostas têm sido ventiladas, como a custosa e difícil criação de um novo órgão do Poder Judiciário para exercer jurisdição em relação aos litígios de IBS e/ou CBS, o que não nos parece a melhor alternativa.

Assim, o presente texto pretende contribuir com algumas ideias, as quais foram debatidas no II Congresso Nacional do Contencioso Tributário da FGV Direito SP, notadamente na conferência de encerramento[1], todas elas pensadas sob uma única premissa: o aproveitamento máximo da normatividade e da jurisprudência já existentes, especialmente das regras do CPC, das manifestações externadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entre elas no julgamento da ADI 5.737/DF, bem como do uso da tecnologia.

Naquela ADI (cujo julgamento se deu com a ADI 5.492/DF), o STF analisou a constitucionalidade dos artigos 46, § 5º[2]; 52, parágrafo único[3] e 75, § 4º[4], todos do CPC. A requerente alegava que tais dispositivos eram inconstitucionais porque, ao fim e ao cabo, “sujeitavam os estados e o Distrito Federal à jurisdição de outro ente federativo regional”, em nítida violação à competência dos estados para organizar sua própria Justiça.

Por exemplo, ao determinar que o estado ou o Distrito Federal podem ser demandados no “foro do domicílio do autor, no da ocorrência do ato ou fato que originou a demanda ou no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado”, o parágrafo único do artigo 52 do CPC acabou por “subtrair os estados-membros das normas de organização judiciária por eles editadas”.

O STF decidiu, nos termos do voto parcialmente dissidente exarado pelo ministro Barroso, o seguinte: deve-se atribuir interpretação conforme à Constituição a tais dispositivos (artigos 46, § 5º e 52, parágrafo único) de modo a restringir a competência do foro do domicílio do autor ou do local de ocorrência do fato aos “limites territoriais de cada ente subnacional”.

Seguindo tais diretrizes e, ainda, mantendo-nos fiel a que a melhor solução é a mais simples e menos custosa, em relação aos conflitos do IBS, seria possível pensar na criação de uma Vara especializada na capital de cada um dos estados, competente para processar as ações envolvendo tanto determinado estado como os municípios localizados nos limites daquela circunscrição territorial.

Caso haja dificuldade de as procuradorias municipais acompanharem as demandas processadas no órgão jurisdicional na capital, a Vara especializada a ser criada poderia apresentar a estrutura do juízo 100% digital e, inclusive, seria possível imaginar a celebração de convênio com as procuradorias dos estados para a prática de determinados atos processuais, nos termos do artigo 75, §§ 4º e 5º do CPC como, por exemplo, a outorga de autorização para a representação processual municipal, atos estes facilitados pela tecnologia.

Mas como sanar o problema da necessidade de propositura de demandas em 27 Estados, com possibilidade de decisões contraditórias? Poderia ser pensada[5] a criação de um IRDR de competência originária do STF (matéria constitucional) ou do STJ (matéria infraconstitucional), com previsão de prolação de entendimento provisório (tutela), cuja decisão seria aplicável para todos os casos que versem questões de direito idênticas.

Muito embora sejam apenas algumas ideias, o ponto central deste artigo é chamar a atenção para as soluções “chão de fábrica”, ou seja, pensar em saídas operacionalmente simples, olhando-se para o nosso acervo legal (notadamente o CPC), jurisprudencial e para as ferramentas tecnológicas, explorando-os em toda sua potencialidade.

Inclusive, seria interessante, nessa linha, que as reflexões a respeito de outros temas processuais também dialoguem com os projetos de lei da Comissão de Juristas, em curso nas Casas Legislativas, poupando-se tempo em relação às matérias ali pensadas.


[1] A conferência de encerramento foi proferida pelo desembargador federal do TRF3 Nelton dos Santos.

[2] “Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu. (…). § 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.”

[3] “Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.

Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.”

[4] “Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (…) § 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias. § 5º A representação judicial do Município pela Associação de Representação de Municípios somente poderá ocorrer em questões de interesse comum dos Municípios associados e dependerá de autorização do respectivo chefe do Poder Executivo municipal, com indicação específica do direito ou da obrigação a ser objeto das medidas judiciais.”

[5] Novamente nos reportamos à conferência de encerramento do II Congresso Nacional do Contencioso Tributário da FGV Direito SP.



Fonte: Jota

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