O título deste artigo faz alusão tanto ao título de uma das obras de Eros Roberto Grau[1], em homenagem, quanto ao comentário do magistrado federal norte-americano Giles Sutherland Rich de que jogar o jogo do contencioso de patentes pressupõe jogar o jogo das reivindicações[2].
No Brasil, o Juízo de infração/contrafação “integral” ou parcial (ou não-infração) pelo magistrado ou magistrada é aquele que se afeiçoa na metódica, entendida como corrente, da análise comparativa efetuada por perita ou perito, auxiliar da justiça e preferencialmente técnico no assunto, entre todos os elementos (all-elements) componentes, indivisíveis, de ao menos uma reivindicação independente constante do quadro reivindicatório concedido (quadro este nutrido interpretativamente pelo relatório descritivo e pelos desenhos), de forma literal ou de forma equivalente (por equivalência)[3], e o objeto alegado infrator[4]. Análise texto vs. objeto ou, como afirmado por alguns, patente vs. produto.
Um ou mais objetos, enquanto realidade extra-textual, são dotados de características; de um modo de ser técnico. Uma ou mais reivindicações, enquanto realidade textual, são dotadas de elementos. Entre esses elementos, a parte caracterizante. A dualidade entre os elementos do texto e as características extra-textuais é reveladora de dois campos onde ambas, a semântica e pragmática, atuam.
Dualidade da análise comparativa
Esta dualidade proveniente da análise comparativa é um juízo[5] de abrangência/de constatação; ou, utilizando uma palavra de bastante relevo em casos de infração de patentes entendidas como essenciais à ecossistemas tecnológicos de standards (SEP), implementação. Juízo propriamente técnico, que difere do juízo de infração, estritamente jurídico. A delimitação do Auxiliar da Justiça ao juízo técnico é derivada do artigo 473, §2º, do CPC.
Exemplo: se há mais de uma reivindicação independente no quadro reivindicatório (digamos, por exemplo, três), e a perita ou perito examina (ou vistoria, se por algum acaso o objeto for imóvel)[6] que duas delas estão com todos os seus elementos constantes no, ou implementados pelo objeto de forma literal ou equivalente, eis o espaço para o juízo de infração dito parcial, pela magistrada ou magistrado. Mas bastaria uma reivindicação independente em um quadro com três reivindicações independentes, em que houvesse todos os seus elementos constantes no ou implementados pelo objeto de forma literal ou equivalente, para tal juízo.
O teor do item 3.05 da Portaria INPI/DIRPA nº 16, de 2 de setembro de 2024 (vulgo diretrizes de exame de pedidos de patente — conteúdo do pedido de patente [Bloco I]) sobrepõe, ao nosso entender, à palavra “elementos” com a palavra “características”. Esta separação entre elementos conhecidos e elementos novos visa apenas a facilitar esta distinção, uma vez que não altera a abrangência ou escopo da reivindicação, que será sempre determinado com base no somatório das características contidas no preâmbulo e na parte caracterizante. Nos mantemos, entretanto, com a dualidade antes apontada.
Spacca

Confrontação dos elementos das reinvindicações
Para além da análise texto vs. objeto, em lides sobre SEP, parece estar ocorrendo em fase pericial a análise texto vs. texto: a confrontação dos elementos das reivindicações com os elementos prescritos em documentação componente de standards. Isto é, se a patente cobre ou não uma fração respectiva do padrão (Juízo de implementação), com o suporte silogístico de que se o objeto implementa ou não padrão[7], logo infringe ou não a exclusiva (juízo de infração).
O padrão como elemento mediato entre o texto da patente e objeto “flexibilizaria” a complexidade probatória, haja vista que a densidade da análise técnica concreta em hardwares e softwares, além de eternizar a fase probatória, seria facilmente obstaculizada devido a uma miríade de trade secrets (de quem figura como requerido) alheios à discussão sub judice poderem ser inutilmente postos em risco.
A confusão açodada entre o Juízo de constatação e o Juízo de infração em laudos periciais é o porquê do nosso medo dos peritos em ações de infração de patentes. Medo, aqui, não implica desrespeito. Nem falta de admiração.
[1] Cfr. Eros Roberto Grau. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. Salvador: Juspodivm, 2025.
[2] Cfr. Zhe Peng. Comparative Study on Patent Claim Interpretation: The United States and China. Singapura: Springer, 2025. p. v
[3] A equivalência reside na substancialidade de função, forma e resultado entre certo elemento da reivindicação independente e certa característica do objeto. Cfr. Samuel Dias Henriques. O âmbito da patente e a doutrina dos equivalentes. Coimbra: Almedina, 2019.
[4] Cfr. (I) VV.AA. Art. 41. In: VV.AA. Comentários à lei da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 106; (II) Ana Cristina Almeida Müller/Nei Pereira Jr./Adelaide Maria de Souza Antunes. Escopo das reivindicações e sua interpretação. Revista da ABPI, jul-ago. 2001. (III) Denis Borges Barbosa. Da regra da indivisibilidade das reivindicações de patentes no direito brasileiro. 2011; (IV) Sidney Pereira de Souza Junior/Marcos Chucralla Moherdaui Blasi. Perícia técnica em matéria de patentes: aspectos essenciais e atualidades. In: Pedro Marcos Nunes Barbosa/Georges Abboud (orgs). Direito processual da propriedade intelectual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2023.
[5] «A comparação. Assim como damos nossa atenção a um objeto, podemos dá-la a dois de uma vez. Então, em lugar de uma só sensação exclusiva experimentamos duas, e dizemos que as comparamos porque as experimentamos exclusivamente para observarmos uma ao lado da outra, sem sermos distraídos por outras sensações. Ora, isso é propriamente o que significa a palavra comparar. […]. O juízo. Não podemos comparar dois objetos, ou experimentar as duas sensações que eles produzem exclusivamente em nós como uma ao lado da outra, sem que logo nos apercebamos de que eles se assemelham ou diferem. Ora, perceber semelhanças ou diferenças é julgar. Portanto, também o juízo é apenas sensação.» (Étienne Bonnot de Condillac.
Lógica e outros escritos. Bauru: Editora UNESP, 2017. [ebook] [tradução de Fernão de Oliveira Salles/Lourenço Fernandes Neto e Silva/Pedro Paulo Pimenta])
[6] CPC, Art. 464, caput: A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
[7] I.e., se o objeto, a exemplo de um celular, informa em suas especificações técnicas ao consumidor executar arquivos de áudio em certa tecnologia de compressão, como o MP3.
Fonte: Conjur