Opinião
Os planos de saúde têm descumprido normas importantes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que tem prejudicado o atendimento integral a pessoas com transtorno do espectro autista. Uma das práticas é a substituição de clínicas multidisciplinares completas por estabelecimentos com serviços limitados.
As Resoluções Normativas nº 469, publicadas pelo órgão regulador em 2021, excluíram a limitação do número de sessões de terapias para pacientes com transtorno do espectro autista (TEA). Já a Resolução nº 539, aprovada em 2022, garantiu a cobertura integral de métodos e técnicas prescritos por médicos. No entanto, essas garantias vêm sendo frequentemente burladas pelas operadoras.
É válido lembrar que o tratamento do autismo não é executado apenas por um profissional. Ele envolve as intervenções de médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e educadores físicos. Recomenda-se que cada paciente seja acompanhado por uma equipe multidisciplinar, capaz de avaliar e desenvolver um programa de intervenção personalizado, considerando que cada pessoa com autismo é única.
Por outro lado, uma prática preocupante que tem sido frequente entre as operadoras é a substituição de clínicas multidisciplinares completas por estabelecimentos que oferecem somente serviços fragmentados e insuficientes.
Violação de direitos
Enquanto as normas da ANS asseguram as sessões essenciais para o cuidado integral das pessoas com transtorno do espectro autista, a manobra das operadoras viola diretamente os direitos já conquistados.
Essa situação pode ser considerada discriminatória contra um público que precisa de atendimento de qualidade. O cenário não é isolado, como constata uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Spacca

Conforme o levantamento, que analisou ações no Tribunal de Justiça de São Paulo entre janeiro de 2019 e agosto de 2023, as negativas operadoras de saúde em tratar pessoas com autismo lideravam os processos na Justiça estadual.
Ao todo, o levantamento analisou 40.601 ações judiciais com recusas de cobertura, registrou 16.808 processos informando a condição médica envolvida. Os Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), que incluem o autismo, lideraram o ranking com 3.017 ações, quase três vezes mais que o segundo lugar, representado por transtornos relacionados ao uso de drogas, com 1.116 reclamações.
Recurso no STJ
De modo prático, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já rejeitou um recurso especial (REsp 2.043.003) apresentado pela Amil Assistência Médica Internacional, que contestava a obrigatoriedade de cobertura para tratamentos multidisciplinares destinados a pessoas com TEA, bem como a possibilidade de reembolso integral dos custos assumidos pelo paciente. O tribunal considerou abusiva a negativa de cobertura para terapias especializadas prescritas como parte do tratamento para o TEA.
Neste ano, o STJ pode dar uma resposta ainda mais contundente aos planos ao julgar o Tema 1.295, que diz respeito à “possibilidade ou não de o plano de saúde limitar, ou recusar, a cobertura de terapia multidisciplinar prescrita ao paciente com transtorno global do desenvolvimento”.
Enquanto isso, o órgão regulador ANS precisa intensificar a fiscalização e garantir que as normas vigentes sejam cumpridas em sua totalidade, tanto na quantidade quanto na qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras. Essas empresas devem ser responsabilizadas e penalizadas por práticas que comprometam o bem-estar de seus beneficiários, que pagam por um serviço mal prestado.
O esvaziamento da qualidade do atendimento prestado pelos planos de saúde, além de afrontar diretamente as Resoluções nº 469 e 539 da ANS, é um claro desrespeito aos direitos das pessoas com TEA.
Fonte: Conjur