Mercado JurídicoMenopausa e perimenopausa carecem de olhar atento da regulação em saúde

Menopausa e perimenopausa carecem de olhar atento da regulação em saúde



O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que por volta de 30 milhões de mulheres no Brasil estejam na fase do climatério[1], perimenopausa e menopausa. Nesse contingente de brasileiras, nove em cada dez têm manifestação de algum sintoma climatérico[2], sendo que o principal deles é o fogacho (um sintoma vasomotor caracterizado pelas ondas de calor). Longe de ser um desconforto leve, a situação que acomete tantas mulheres merece atenção das políticas de saúde como uma pauta prioritária pelos impactos na qualidade de vida de parcela relevante da população. 

Para isso, órgãos e políticas regulatórias devem estar alinhados na construção dessa atenção – inclusive, para possibilitar a oferta do acesso a terapias inovadoras para a saúde feminina nessa etapa da vida. No entanto, as brasileiras ainda não têm acesso a todas as possibilidades de tratamento disponíveis no mercado global. 

Aprovado desde 2023 pelas agências regulatórias dos Estados Unidos (FDA)[3] e da Europa (EMA)[4] para amenizar ondas de calor e suores noturnos, um novo medicamento aguarda aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há dois anos, por exemplo. O fármaco é uma opção para mulheres que não podem – ou não desejam – realizar a terapia hormonal para o tratamento dos sintomas associados à perimenopausa e menopausa. 

Impactos na vida das mulheres

A menopausa é marcada pelo encerramento da fase reprodutiva e redução da função ovariana nas mulheres. Segundo estudo publicado na revista científica Climacteric, o início dos sintomas climatéricos ocorre, em geral, aos 46 anos, sendo a irregularidade menstrual o primeiro deles. A idade média do início da menopausa ocorre aos 48 anos, sem diferenças entre as classes socioeconômicas das entrevistadas[2]

O climatério é um termo amplo para representar esse período de transição englobando a perimenopausa e a menopausa. “A menopausa é um ponto específico e se refere à última menstruação da mulher. A perimenopausa é o período de transição menopausal até a menopausa, em que ocorrem ciclos menstruais irregulares, flutuações hormonais principalmente dos estrogênios”, observa a ginecologista Eliana Nahas, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB-Unesp). A última etapa dessa fase ocorre após a última menstruação, sendo nominada pós-menopausa. 

De acordo com a especialista, os sintomas variam ao longo do tempo. “Podem acontecer ondas de calor, alterações de humor, insônia e efeitos na sexualidade”, diz Nahas. As  repercussões físicas, emocionais e sociais do período do climatério podem trazer prejuízos tanto no bem-estar quanto na produtividade.

Nessa linha, as ondas de calor podem vir associadas a suores noturnos, com efeito direto na qualidade do sono dessas mulheres, levando a quadros de insônia. Além da fadiga, alterações no humor – como ansiedade e depressão –, queixas de lapsos na memória e na atenção também são comuns. Conforme esses sintomas se instalam, há uma redução do bem-estar e da produtividade, inclusive no trabalho. Isso tudo em mulheres economicamente ativas. 

Os efeitos não param aí. “O hipoestrogenismo também leva a sintomas geniturinários como ressecamento vaginal, dor na relação sexual, a chamada dispareunia, com diminuição do desejo sexual e impacto na parceria sexual”, pontua Nahas. Segundo a professora da FMB-Unesp, a fase também é caracterizada por uma perda acelerada da massa óssea, com crescimento do risco de osteoporose e fraturas. 

Também há consequências como piora do perfil metabólico e lipídico, observado em exames como colesterol e triglicérides. “Há o aumento do risco de doenças cardiovasculares, que são a principal causa de morte na mulher pós-menopausa”, acrescenta a ginecologista. Para Nahas, esse é o maior risco a longo prazo para as mulheres nesse período. 

Tratamento e novas terapias

Embora esses sintomas tragam efeitos na vida das mulheres, existem tratamentos que podem amenizá-los. A terapia hormonal é a opção mais tradicional. Embora seja eficaz e segura, quando “bem indicada”, sua indicação deve levar em conta as peculiaridades de cada uma, como pontua Nahas: “Pode ser usado o estradiol isolado, estradiol associado a um progestagênio ou progesterona, dependendo se a mulher passou ou não pelo processo de retirada de útero (histerectomia)”. De acordo com a professora, esse é o padrão para o alívio dos fogachos, da sudorese noturna e dos sintomas geniturinários, como secura vaginal. 

No entanto, não são todas as mulheres que se beneficiam da terapia hormonal, sendo necessária a sua individualização em relação a idade, risco cardiovascular e comorbidades. Mulheres que têm história pessoal de câncer ou de doença cardiovascular têm contraindicação ao uso de hormônios na perimenopausa ou menopausa. Há também o grupo que não se adaptou ou não deseja o uso da terapia hormonal.   

“Para essas mulheres foi estudada e validada uma nova classe de medicamentos não hormonais que atuam diretamente no centro termorregulador hipotalâmico, reduzindo efetivamente os sintomas de ondas de calor”, explica Nahas. “São tratamentos inovadores que atuam como o fezolinetanto, um antagonista do receptor da neurocinina 3 (NK3) para o tratamento de sintomas vasomotores (ondas de calor e suores noturnos) associados à menopausa”, esclarece a especialista. 

Da regulação ao SUS

O fezolinetanto, aprovado pelas agências reguladoras dos Estados Unidos e Europa, está sob avaliação da Anvisa desde 2023. Essa etapa é necessária para que um novo medicamento possa ser vendido no Brasil, a começar pela disponibilização no sistema privado. 

O processo completo, de registro, autorização de preço e incorporação de novos medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) passa por três órgãos: Anvisa, Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). 

“Tudo começa no desenvolvimento e na pesquisa clínica, depois passa pelo registro sanitário na Anvisa, onde se comprova qualidade, segurança e eficácia. Em seguida, a CMED atua na precificação. Só depois o medicamento pode passar pela avaliação da Conitec, que decide sobre a incorporação ao SUS”, ressalta Daniela Marreco, secretária-executiva da CMED de 2023 a 2025 e diretora da Anvisa empossada neste setembro. 

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

A Anvisa é responsável pela primeira etapa de registo, emitindo autorização de comercialização de medicamentos. Para isso, solicita evidências científicas vinculadas à eficácia e segurança. A questão é porque o tempo de avaliação varia a depender da tecnologia. Em nota da assessoria de imprensa ao Estúdio JOTA, a agência pontua sua atuação sob demanda. “Contudo, produtos considerados de relevância para saúde pública podem ter sua análise priorizada, nos termos da RDC 204/2017”, diz a nota. 

De acordo com a norma, há a priorização em casos em que as “três primeiras petições de medicamentos genéricos inéditos para cada insumo farmacêutico ativo ou associação e forma farmacêutica, de grupos econômicos distintos”. 

O órgão também destaca a priorização em casos de medicamentos integrantes da lista de produtos estratégicos no SUS ”que seja objeto de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), mediante a submissão inicial completa de todos os documentos e estudos previstos na regulamentação vigente”. 

Além desse mecanismo, a Anvisa também aplica o princípio da confiança regulatória, que possibilita análises mais céleres. Isso permite à agência aproveitar avaliações já realizadas por outras autoridades regulatórias de referência internacional, sem comprometer a segurança e o rigor científico. 

Não se trata de ferramenta exclusiva para terapias  inovadoras para mulheres na menopausa ou na perimenopausa, mas que, de todo modo,  podem contribuir para a disponibilização no mercado nacional de produtos já autorizados por agências regulatórias internacionais”, escreve ao JOTA

Já a CMED define preços máximos de medicamentos para o mercado. Para explicar o funcionamento do órgão, Marreco traz detalhes sobre o processo. “A regulação, que começou no início dos anos 2000, trouxe estabilização aos preços praticados no Brasil. Antes havia grande variação, e agora os preços são mais estáveis, o que facilita o acesso de forma geral, inclusive das mulheres, aos cuidados de saúde”, afirma. 

Contudo, não existe uma metodologia de precificação dos medicamentos para populações específicas ou vulneráveis, como as mulheres, na avaliação pelo órgão. A classe terapêutica, por exemplo, pode ser considerada no processo de precificação ao se comparar com outras tecnologias disponíveis no país. 

A CMED procura trabalhar alinhada às políticas públicas do país, explica a diretora. “A norma vigente ainda não prevê critérios de priorização, mas há uma consulta pública em andamento que abre a possibilidade de priorizar medicamentos ligados a políticas específicas do Ministério da Saúde. Assim, um tratamento considerado estratégico poderia ter sua precificação analisada mais rapidamente, facilitando sua chegada ao mercado e posterior avaliação pela Conitec”, complementa a executiva. 

A consulta pública citada pela executiva foi aberta em maio deste ano, com intuito de revisar e atualizar a Resolução CMED 2/ 2004, que dispõe sobre os critérios para definição de preços tanto de novos produtos quanto de novas apresentações farmacêuticas.

Segundo Marreco, o objetivo dessa mudança é justamente incentivar a inovação tanto radical (novas moléculas) quanto incremental (aperfeiçoamentos em medicamentos já existentes). “Esse processo dialoga diretamente com o acesso: ao atualizar os critérios de precificação, criamos um ambiente mais favorável para que empresas tragam medicamentos inovadores ao Brasil, ampliando a disponibilidade no mercado nacional”, opina. 

Por fim, a Conitec recomenda ou não a incorporação de tecnologias em saúde aos SUS. O órgão faz isso por meio de evidências de eficácia, segurança e custo-efetividade em relação às tecnologias já existentes no SUS. 

Futuro para a saúde feminina

Para Eliana Nahas, da FMB-Unesp, um dos principais obstáculos para ampliar o acesso ao tratamento da perimenopausa e menopausa é a falta de acesso à informação, além da subestimação da necessidade de cuidados. “A desinformação e o estigma minimizam os sintomas por profissionais e pacientes, com a ideia de que é um período natural e que não precisa de tratamento”. 

Em relação à disponibilização e acesso aos medicamentos pelo SUS, há muito a ser feito. “Seria importante existir políticas de compra e parcerias público-privadas para negociar preços e disponibilizar medicamentos de forma mais rápida e acessível. Uma adaptação ao Brasil exige avaliação da equidade regional, sustentabilidade orçamentária e formação local”, diz a ginecologista. 

Ao JOTA, a Anvisa pontuou que não “conhecemos estratégia regulatória para esse tipo de produto ou categoria terapêutica, mas em geral as regras da Anvisa de priorização de análise estão alinhadas com procedimentos de outras agências, como a Agência Europeia de Medicamentos”. 

Apesar disso, Daniela Marreco, da CMED, acredita que é preciso que as normas sejam adaptadas às novas demandas. “Antes, de fato, a discussão sobre saúde da mulher estava muito concentrada na saúde reprodutiva. Hoje, com a maior visibilidade da perimenopausa e da menopausa, é importante que a análise de precificação considere também essa etapa da vida”, finaliza. 



REFERÊNCIAS

  1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/saude-da-mulher/pnaism Acesso em: 27 ago. 2025.
  2. GREIS, H. et al. The menopause transition: symptoms, management, and emerging treatment options. Climacteric, v. 25, n. 4, p. 333–345, 2022. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13697137.2022.2088276. Acesso em: 27 ago. 2025.
  3. FOOD AND DRUG ADMINISTRATION (FDA). FDA approves novel drug to treat moderate to severe hot flashes caused by menopause. Silver Spring: FDA, 2023. Disponível em: https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-approves-novel-drug-treat-moderate-severe-hot-flashes-caused-menopause. Acesso em: 27 ago. 2025.
  4. EUROPEAN MEDICINES AGENCY (EMA). Veoza: summary of product characteristics. Amsterdam: EMA, 2023. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/medicines/human/EPAR/veoza. Acesso em: 27 ago. 2025.



Fonte: Jota

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