Opinião
Mais uma vez a cidade de São Paulo foi protagonista de uma polêmica envolvendo os naming rights do patrimônio público imobiliário. Dessa vez, o tradicional espaço conhecido como Largo da Batata seria chamado de “Largo da Batata Ruffles”, em razão de um ajuste com a empresa PepsiCo, proprietária da marca Ruffles. [1]
Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo
No apurado total, seriam investidos aproximadamente R$ 1,1 milhão pela empresa em bens e serviços, em contrapartida à publicização do projeto de revitalização com o nome da marca Ruffles. O termo assinado entre as partes, trazido por um site de notícias [2], traz a menção aos decretos municipais que versam sobre a doação e comodato de bens e serviços por parceiros privados ao poder público.
Entre eles, se encontra o Decreto Municipal nº 58.102/2018 que, em seu artigo 39, autorizava a inserção do nome em material de divulgação ou no projeto, obedecidas as restrições legais aplicáveis ao caso concreto.
O nome da marca Ruffles no material de divulgação da campanha e nos equipamentos públicos que seriam doados foi suficiente para trazer o município de São Paulo para o centro de mais uma polêmica envolvendo parcerias do tipo.
Anteriormente, a Lei Municipal nº 18.040/2023 já tinha sido objeto polêmica envolvendo o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, ganhando grande repercussão.
A legislação se propôs a expandir e autorizar a cessão onerosa do direito de denominação de equipamentos públicos. Todavia, teve seus efeitos suspensos, em sede de liminar.
Debates sobre naming rights
Estes casos parecem ter aberto intensificado as discussões sobre a questão dos naming rights de bens públicos no Brasil. Mas, afinal, o que são os naming rights?
Spacca
Os naming rights podem ser definidos como a titularidade da faculdade de atribuir nome a um objeto material, imaterial ou a uma determinada atividade, sendo a sua cessão o ato de atribuir a outrem essa faculdade, mediante contraprestação.
Apesar de parecer um conceito de difícil, a sua assimilação fica fácil com exemplos cotidianos, como o Allianz Parque e o MorumBis, estádios que tiveram seus nomes alterados em razão da aquisição dos naming rights pela empresa de seguros Allianz e pela detentora da marca do biscoito Bis.
Na experiência internacional, o instituto vem sendo amplamente utilizado não apenas aos bens particulares, mas também aos bens públicos. Em 2008, por exemplo, o governo de Dubai lançou um projeto referente à atribuição de nome das estações de metrô [3]. Conforme um site especializado, os direitos de naming rights foram cedidos por aproximadamente R$ 100 milhões. [4]
No Brasil, a cessão dos naming rights de bens públicos ganhou destaque nos últimos tempos, em que pese a existência de legislações esparsas sobre o tema.
A ideia de conseguir mais recursos financeiros com a utilização dos bens públicos não é contrária aos princípios constitucionais e administrativos. Pelo contrário, traduz uma gestão mais adequada do patrimônio público.
Função social dos bens públicos
Thiago Marrara explica que a função social dos bens públicos só é plenamente realizada na medida em que se aplicam o maior número possível de usos dentro de uma perspectiva sustentável. Ou seja, impõe-se a pluralidade de usos, até o ponto em que sejam compatíveis e autossustentáveis [5].
No mesmo sentido, o ministro Floriano de Azevedo Marques Neto elenca duas maneiras de se encarar a gestão dos bens públicos. Uma, que reduziria a atividade de gestão do patrimônio apenas para o uso que estivesse afetado, ou para evitar o esbulho, em caso de estar sem utilidade definida. Outra, a mais correta, como um poder-dever de gestão compatível com princípio da eficiência e da função social da propriedade, que possibilitaria a máxima utilização potencial, trazendo consigo a viabilidade de sua exploração econômica atípica [6].
Isso porque, como o próprio nome indica, os bens públicos devem servir ao bem-estar de toda a coletividade. Em sendo assim, deve-se extrair dele o máximo possível para que atenda as diversas demandas coletivas e sociais, conforme viabilidade.
Com a arrecadação proveniente da exploração econômica dos bens públicos, é possível realizar mais investimentos não apenas na própria conservação e manutenção do patrimônio público, mas também nas áreas da saúde, segurança, educação, assistência social e infraestrutura, pautas prioritárias e que atingem diretamente a vida dos indivíduos.
O potencial é alto, a exemplo do contrato que envolve o Complexo Esportivo do Pacaembu, firmado com a empresa Mercado Livre, por um período total de 35 anos, com um custo de cerca de R$ 1 bilhão investidos [7].
Assim, não há dúvidas de que a cessão onerosa dos naming rights entra como um dos instrumentos para uma gestão adequada dos bens públicos.
Problema com São Paulo
Então, qual tem sido o problema na aplicação pelo município de São Paulo? A resposta é a ausência do cumprimento de alguns dos requisitos formais e materiais necessários que melhorariam a experiência com o instituto.
É que a aplicação da cessão onerosa dos naming rights aos bens públicos deve observar os princípios que regem a administração pública, como a transparência, a publicidade, a legitimidade, a impessoalidade, a participação popular, entre outros.
Logo, os contratos a serem firmados devem seguir procedimento que viabilize a competitividade, sendo conduzido com transparência e a máxima publicidade, o que não ocorreu, por exemplo, no caso do Largo da Batata.
Outro ponto em que a gestão do município de São Paulo pecou foi a ausência de amplificação da discussão, com estudos prévios que atestem a viabilidade e com consultas públicas que garantam a participação e a legitimidade popular, sopesando não apenas questões de identificação sociocultural da sociedade, mas também organizacionais e de identificação.
Assim, com essas “pequenas” providências, os fatos envolvendo São Paulo teriam outro enredo.
Em que pese haver outros critérios a serem discutidos, o fato é que tanto os que demonizam a exploração econômica dos bens públicos quanto aqueles que defendem sua realização alheia a critérios essenciais estão promovendo uma péssima experiência sobre um instrumento de grande valia para todos os indivíduos.
A cessão onerosa dos naming rights deve ser tratada com seriedade e profundidade, com a amplificação do debate, alheio a ideologias políticas, visando a uma gestão mais adequada dos bens públicos, que tragam retornos a toda coletividade, proprietária última de todo esse patrimônio.
[1] NAKAMURA, João. Prefeitura de SP recua com Largo da Batata Ruffles. CNN Brasil, São Paulo, 13 dez. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/negocios/prefeitura-de-sp-recua-com-largo-da-batata-ruffles/. Acesso em: 21 dez. 2024.
[2] FURTADO, Juliana; GRAZIANI, Eduardo; RODRIGUES, Rodrigo. Gestão Nunes recua após assinar contrato para mudar nome de tradicional espaço em Pinheiros para Largo da Batata Ruffles. G1 São Paulo, 13 dez. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/12/13/gestao-nunes-recua-apos-assinar-contrato-para-mudar-nome-de-tradicional-espaco-em-pinheiros-para-largo-da-batata-ruffes.ghtml. Acesso em: 21 dez. 2024.
[3] SAMPAIO, Luís Felipe. Naming Rights de Bens Públicos. São Paulo: Almedina, 2017. p. 97.
[4] THEEB, A. A. Dubai raises Dh1.8b from Metro-naming rights and funding. Gulf News, 2008. Disponivel em:
[5] MARRARA, T.; FERRAZ, L. Direito Administrativo dos bens e restrições estatais à propriedade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 216.
[6] MARQUES NETO, F. A. Bens públicos: função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 312.
[7]STEFANELLI, C. Mercado Livre compra naming rights do Pacaembu por R$ 1 bilhão. Forbes, 2024. Disponivel em:
Fonte: Conjur