Opinião
Nos últimos 30 anos, o conceito de faturamento e suas repercussões foram tema abundante tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em diversos níveis, e repercutiu em uma série de controvérsias envolvendo a tributação das instituições financeiras.
Como se sabe, para fins da incidência das contribuições do PIS e Cofins, o conceito de faturamento foi alterado significativamente pela Lei nº 9.718/98 por meio do seu artigo 3º, que o equiparou à receita bruta, assim entendida como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”. Com essa alteração, as contribuições ao PIS e Cofins passaram a incidir sobre todas as receitas das empresas, inclusive sobre as receitas financeiras.
Essa alteração legislativa ficou conhecida como o “alargamento da base de cálculo do PIS e Cofins” promovido pela Lei nº 9.718/1998. Vários contribuintes ingressaram com ações judiciais discutindo o tema, o que levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a repercussão geral da matéria no RE 346.084.
Por ocasião do julgamento, a corte concluiu pela inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo das contribuições, uma vez que o conceito de faturamento abrangeria apenas valores decorrentes da venda de bens ou prestação de serviços. Via de consequência, as receitas financeiras não se enquadrariam nesse conceito.
Com base nesse julgamento, diversos contribuintes obtiveram decisões transitadas em julgado garantindo o direito ao recolhimento das contribuições do PIS e Cofins sem os efeitos do alargamento da base de cálculo promovido pela Lei nº 9.718/98.
Aplicação às instituições financeiras
A despeito de a questão ter sido solucionada pelo STF para a maioria das empresas, surgiram discussões envolvendo a aplicabilidade deste precedente às instituições financeiras, diante da preponderância das receitas de natureza financeira para estas entidades.
O ministro Cezar Peluso foi vencido no julgamento do RE nº 346.084/PR (e demais recursos julgados em conjunto), mas registrou em seu voto que o conceito de faturamento representaria, eu sua concepção, o produto do exercício de atividades empresariais típicas das empresas — prenunciando o que viria a dizer a Lei nº 12.973/2014 acerca da nova base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins a partir de sua edição. Essa passagem do voto do ministro Cesar Peluso inaugurou a discussão acerca do conceito de faturamento para as instituições financeiras e equiparadas.
Diante do voto vencido do ministro Cezar Peluso, a Fazenda Nacional expediu o Parecer PGFN/CAT nº 2.773/07 e a Nota Técnica Cosit nº 21/06, oficializando o seu entendimento de que a base de cálculo do PIS e da Cofins consistiria na receita bruta decorrente das atividades empresariais típicas.
Com base nessa interpretação normativa, a Receita Federal do Brasil passou a exigir dos bancos o recolhimento de PIS e Cofins também sobre as receitas decorrentes da intermediação financeira, ressalvando que somente as receitas tidas como “não operacionais” estariam fora do conceito de faturamento.
Padrões contábeis no Brasil
Atualmente, vige a Lei nº 12.973/2014, que, além de adequar os padrões contábeis do Brasil às normas internacionais, alterou o conceito de receita bruta para fins tributários, que passou a compreender as receitas da atividade típica ou objeto principal da empresa.
Spacca

Pode-se afirmar, portanto, que, antes da edição da Emenda Constitucional nº 20/1998, e da Lei nº 12.973/2014, as receitas financeiras das instituições financeiras não poderiam ser objeto de tributação pelas contribuições ao PIS e Cofins em coerência com o conceito de faturamento até então vigente para fins tributários, que correspondia à receita da prestação de serviços para essas entidades. Por outro lado, após a vigência da Lei nº 12.973/2014, a atividade principal da empresa, ainda que de natureza financeira, passou a compor a receita bruta para fins de incidências das contribuições quando decorrentes da atividade principal de seu objeto social.
Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal afetou para julgamento em sede de repercussão geral o RE nº 609.096 (Tema 372), com o objetivo de analisar a possibilidade de exigir PIS e Cofins sobre as receitas financeiras das instituições financeiras, no período de vigência da mencionada Lei n 9.718/98.
Decisão do Supremo
O julgamento do Tema nº 372 foi finalizado em 13 de junho de 2023, fixando a seguinte tese: “As receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica das instituições financeiras integram a base de cálculo PIS/Cofins cobrado em face daquelas ante a Lei nº 9.718/98, mesmo em sua redação original, ressalvadas as exclusões e deduções legalmente prescritas.”
Para o ministro Dias Toffoli, que inaugurou a divergência e foi seguido pelos demais ministros, a interpretação histórica da legislação do PIS e da Cofins, desde o antigo Finsocial, demonstraria que o conceito de faturamento supostamente sempre esteve atrelado às receitas operacionais das instituições financeiras. Além disso, a mudança interpretativa do conceito de serviço deslocaria a sua caracterização da ideia de obrigação de fazer para oferecimento de utilidade a outrem — de modo que a intermediação financeira poderia ser considerada como serviço, e, portanto, estaria incluída no conceito de faturamento.
Contudo, a solução apresentada no julgamento rompeu com a noção de faturamento construída ao longo de mais de 30 anos, adotada pela própria Corte Suprema em importantes precedentes, e também pacificada pela doutrina.
A tese fixada no Tema nº 372 é contrária ao que decidiu o próprio STF nos REs nº.s 357.950/RS, 346.084/PR, 358.273/RS e 390.840/MG, em que foi reconhecido que a Lei nº 9.718/98 ampliou indevidamente a base de cálculo do PIS e da Cofins justamente porque os conceitos de faturamento e receita bruta, antes do advento da EC nº 20/98, não poderiam ser equiparáveis.
Embargos de partes interessadas
As partes interessadas (Banco Santander S/A e Federação Brasileira dos Bancos) opuseram embargos declaratórios requerendo, dentre outros pontos, a modulação dos efeitos do acórdão para que estes sejam percebidos somente a partir de 2024, ou, quando menos, a partir edição da Lei nº 12.973/2014, considerando que a nova orientação rompe com a legítima expectativa das instituições financeiras, que desde 2005 eram orientadas pelo contexto normativo jurisprudencial.
Os embargos de declaração não possuem previsão de julgamento. Apesar de ter sido formada maioria pelo Plenário (8×1) em relação ao mérito, a discussão ainda não está encerrada, e a Corte Suprema terá a oportunidade de reavaliar o entendimento sobre o tema ou, pelo menos, os seus impactos aos contribuintes — instituições financeiras.
De mais a mais, se o Supremo definiu a questão acerca dos limites do conceito de faturamento previsto no artigo 2º da Lei nº 9.718/98 para as instituições financeiras, subsiste a dúvida acerca de quais seriam as atividades típicas cujas receitas poderão ser tributadas.
A Lei nº 12.973/2014, por sua vez, não trouxe parâmetros para determinar quais receitas poderiam ser caracterizadas como resultantes da “atividade principal do objeto social da empresa”. No entanto, é possível sugerir alguns critérios para se distinguir as receitas que devem ser tributadas (decorrentes da atividade-fim da empresa) daquelas que não devem ser caracterizadas como receitas operacionais.
Intermediação financeira
No que diz respeito às instituições financeiras bancárias, pode-se dizer que a atividade típica com maior representatividade em termos de receitas operacionais é a intermediação financeira propriamente dita — de modo que, apenas esta parcela atrairá a incidência das contribuições do PIS e Cofins.
O próprio Parecer PGFN/CAT nº 2.773/07, que consolidou a interpretação oficial das autoridades fiscais no sentido de que a base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins das instituições financeiras equivale à receita das atividades típicas, parte do pressuposto de que a intermediação financeira é a atividade principal dessas entidades.
Sabe-se que a atividade de intermediação financeira demanda a prévia captação de recursos de terceiros, mediante depósito dos correntistas (operação passiva), seguida de sua posterior aplicação em favor de terceiros por meio de mútuo (operação ativa), com o intuito de auferir lucro derivado da remuneração dos recursos repassados em relação aos recursos coletados (spread bancário).
No entanto, existem no âmbito das instituições financeiras algumas receitas financeiras que não são decorrentes de suas atividades típicas, por não se caracterizarem como intermediação financeira, tais como a receita de juros sobre depósitos judiciais, juros sobre capital próprio (JCP), aluguéis, dentre outras.
Aferição das receitas da atividade principal dos bancos
Sendo assim, um parâmetro razoável para aferição das receitas da atividade principal dos bancos é justamente avaliar a origem dessas receitas. Caso as receitas sejam decorrentes da aplicação de recursos próprios da instituição, não há intermediação financeira propriamente dita, pois não há captação de recursos de terceiros, e, portanto, não se está diante da atividade típica/principal de uma instituição financeira.
Portanto, na ausência de definição pelo STF acerca de quais seriam exatamente as atividades típicas dos bancos, e considerando as próprias premissas utilizadas pela União no Parecer PGFN/CAT nº 2.773/07, de que a intermediação financeira é a atividade típica do setor bancário — entendemos que não há fundamentos jurídicos que sustentem a incidência de PIS/Cofins sobre receitas financeiras decorrentes de aplicação de recursos próprios do contribuinte.
Dessa forma, os bancos afetados pela decisão do STF no Tema nº 372 poderão eventualmente suscitar essa questão na liquidação de suas discussões individuais, justamente porque os exatos contornos das receitas decorrente das atividades típicas das entidades financeiras ainda não foram analisados pela Corte.
Além disso, caso seja mantido o atual entendimento do STF no julgamento do Tema nº 372, sem modulação de efeitos, as cobranças de PIS e Cofins em face dos bancos deverão ser recalculadas para deduzir as despesas incorridas na intermediação financeira (artigo 3º, §6º, I, ‘a’ da Lei nº 9.718/98), em observância à própria tese firmada pela Corte Suprema. Relembrando a tese: “As receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica das instituições financeiras integram a base de cálculo PIS/Cofins (…), ressalvadas as exclusões e deduções legalmente prescritas”.
Direito à dedução das despesas
Atualmente, há algumas controvérsias relativas à amplitude do direito à dedução com despesas incorridas na intermediação financeira. As autoridades fiscais já se manifestaram no sentido de que somente as “despesas com captação” de recursos poderiam ser deduzidas da base de cálculo das contribuições, conforme se extrai do Parecer PGFN nº.325/2009, e da Solução de Consulta SRRF06/DISIT 36, de 2 de abril de 2007.
No entanto, a nosso ver, o direito à dedução das despesas incorridas nas operações de intermediação financeira compreende todos os gastos necessários ou relevantes à execução da atividade principal dos bancos. A dedução das despesas com intermediação financeira foi introduzida no ordenamento em um contexto de diversas outras medidas públicas para reduzir o custo dos juros no mercado e permitir maior acesso dos tomadores ao crédito — e consequentemente, maiores investimentos das empresas nos seus negócios. Nessa ordem de ideias, o direito a dedução das despesas de intermediação deve ser amplo, uma vez que visa beneficiar o tomador de crédito, e não diretamente as instituições financeiras.
Apesar de as autoridades fiscais não compartilharem desse entendimento, não há nenhum posicionamento vinculante das cortes superiores a respeito de qual seria a extensão do direito à dedução das despesas com intermediação financeira.
Portanto, os bancos poderão explorar os cenários potenciais com o desfecho do julgamento do Tema nº 372, pleiteando que o PIS e a Cofins dos períodos eventualmente exigidos pela Receita Federal entre 1999 e 2014 sejam apurados excluindo-se as receitas financeiras decorrentes da aplicação recursos próprios do contribuinte, e/ou mediante a dedução de despesas com intermediação financeira.
Fonte: Conjur