Há imensa sinergia entre os propósitos do Cooperativismo de Crédito e a atuação dos Bancos Públicos de Desenvolvimento tendo a Constituição Federal como norte. A fim de corroborar esta assertiva, basta verificar o alinhamento do caput do art. 192, da CRFB/88, que inclui as cooperativas de crédito no sistema financeiro nacional, com os fundamentos do Estado brasileiro e dos bancos públicos de desenvolvimento, previstos nos artigos 1º, 3º e 239, § 1º, da CF/88, notadamente os de redução das desigualdades sociais e regionais; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; promoção do bem estar sem qualquer tipo de discriminação; e financiamento de programas de desenvolvimento econômico.
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A Constituição reconheceu todas as formas de organização produtiva: (i) a iniciativa econômica privada (art. 170), que tem por objetivo a obtenção do lucro; (ii) a iniciativa econômica pública (art. 173), que tem por finalidade principal a satisfação de relevante interesse coletivo ou a segurança nacional; e (iii) a iniciativa econômica cooperativa (art. 174, § 2º), que tem por aspiração não o lucro, mas a emancipação econômica e o progresso social dos seus membros.
No arranjo da Constituição de 1988, a iniciativa cooperativa fica a meio caminho entre as iniciativas pública e privada, constituindo um fenômeno da economia solidária, com características bastante próprias que combinam a natureza associativa civil com o caráter empresarial. A natureza associativa se manifesta na sua finalidade social e na sua governança democrática, ao passo que o caráter empresarial se mostra na organização da sua atividade econômica.
As cooperativas de crédito, mais especificamente, possuem aspectos que as diferenciam das instituições financeiras tradicionais, sendo sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, constituídas para prestar serviços financeiros aos associados, com base nos seguintes princípios[1]: (i) adesão livre e voluntária, sem discriminação de gênero, social, racial, política e religiosa; (ii) gestão democrática, sendo controladas pelos seus membros e cada membro tem igual direito de voto, independente do capital aportado (um membro, um voto); (iii) efetiva participação econômica (exigência de aquisição de quota parte para ser cooperativado); (iv) autonomia e independência; (v) intercooperação para o fortalecimento do movimento como um todo e dos princípios cooperativistas, podendo ocorrer em diversos níveis: através das estruturas locais, regionais, nacionais, internacionais; entre cooperativas do mesmo sistema; com cooperativas de outros sistemas; e com cooperativas de outros ramos do cooperativismo; e (vi) interesse pela comunidade onde estão inseridas.
Esse princípio do interesse pela comunidade, sob o prisma da localidade/aspecto geográfico, faz com que as cooperativas de crédito se situem em municípios/áreas que os bancos comerciais não têm interesse em atuar, promovendo, assim, a inclusão financeira e contribuindo para redução das desigualdades inter-regionais e intermunicipais relacionadas à oferta e acessibilidade de produtos e serviços bancários e creditícios.
Além disso, sob o prisma financeiro, por atuarem no ramo do crédito, também fazem concorrência com os bancos comerciais e, muitas vezes, por visarem o desenvolvimento de seus membros, e não o lucro como fim em si mesmo, possuem condições de oferecer produtos mais personalizados para atender seus associados (maior suitability), sendo, em regra, mais flexíveis na exigência de garantias, na concessão de prazos maiores e na oferta de taxas de juros menores. Assim, com o aumento da competição e das alternativas disponíveis, produtos e serviços tendem a ser ofertados de forma mais eficiente, menos restritiva e menos onerosa. Essa concorrência promove benefícios sistêmicos, colaborando, por exemplo, com a redução do spread bancário, do custo do crédito e das tarifas de serviços.
Ademais, sob o prisma econômico e social de melhoria das condições de vida de seus membros, as cooperativas de crédito contribuem para a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos municípios, pois ofertam crédito em condições mais favoráveis, gerando renda e emprego e, assim, contribuem para redução das desigualdades sociais, tornando o acesso ao crédito mais inclusivo.
Corroborando o papel das cooperativas de crédito como instrumento de alavancagem econômica e multiplicador de riquezas nas comunidades, cita-se a pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), a qual evidenciou que o setor é responsável por resultados positivos nas comunidades em que estão presentes[2]. Segundo a pesquisa, os Municípios com a presença de cooperativas de crédito apresentam incremento: (a) de 10% no PIB per capita; (b) de 15,1% na proporção do emprego formal na população economicamente ativa; (c) de 23,5% na massa salarial por habitante; (d) de 15,6% no número de empreendimentos por 1.000 habitantes (empreendedorismo); (e) de 8,7% na arrecadação municipal; (f) de 17,1% na arrecadação federal; (g) de 44,4% no valor das exportações por habitante; e (h) aumento de 62,5% no saldo comercial por habitante.
Desse modo, as cooperativas de crédito, ao promoverem por meio da sua atuação a inclusão financeira e a desconcentração bancária, também estão a apoiar indiretamente a missão constitucional dos bancos de desenvolvimento na expansão do acesso ao crédito, tanto para alcançar todas as regiões do País, quanto para beneficiar as pessoas ainda não incluídas no Sistema Financeiro Nacional.
Portanto, as cooperativas de crédito e os bancos de desenvolvimento são instituições que, diferentemente das instituições financeiras privadas, realizam operações de crédito não com o fim exclusivo de obtenção de lucro, mas sim, e principalmente, visando à melhoria das condições econômicas e sociais das pessoas. Ou seja, há um propósito maior que move essas organizações, podendo-se qualificá-las como “bancos com coração”, pois são entidades que combinam organização de empresa, com o espírito solidário e colaborativo típico das entidades do terceiro setor.
A relação jurídica travada entre as cooperativas de crédito e os bancos públicos de desenvolvimento, a exemplo do BNDES, ocorre em alguns casos por meio do credenciamento destas últimas como agentes financeiros aptos a realizar operações de repasse com recursos públicos do banco estatal. Trata-se do modelo de operação denominado de indireto, uma vez que o BNDES não mantém relação direta com o cliente final, beneficiário dos recursos, mas se vale da capilaridade desses agentes cooperados e, principalmente, do seu conhecimento local, para estender o acesso ao crédito às comunidades mais distantes e às pessoas mais necessitadas. Nesse modelo, as cooperativas ficam responsáveis por realizar a análise das operações e assumir o risco de crédito, além de cuidar de todo o relacionamento com o cliente final, mas sempre com observância das premissas e objetivos indicados nas políticas do banco de desenvolvimento.
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Em suma, verifica-se sinergia entre as missões institucionais dos bancos públicos e das cooperativas de crédito em prol do desenvolvimento econômico e social. Essa sinergia de propósitos fica bastante nítida ao promoverem a inclusão financeira, a desconcentração bancária, a geração de emprego e renda contribuindo sobremaneira para o atingimento dos objetivos constitucionais de redução das desigualdades sociais e regionais; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional e promoção do bem-estar sem qualquer tipo de discriminação. Assim, com a parceria entre esses “bancos com coração”, quem ganha é a sociedade brasileira que obtém crescimento econômico e prosperidade social por meio de um modelo que coloca as pessoas em primeiro lugar.
As opiniões emitidas neste artigo refletem a opinião dos autores, e não, necessariamente, a visão do Sistema BNDES sobre o assunto.
[1] art. 4° da Lei 5.764/71.
[2] Disponível em: https://www.anuario.coop.br/estudos/impactos-do-cooperativismo-de-credito-para-o-desenvolvimento-economico-e-social-no-brasil
Fonte: Jota