Notícias JurídicasAplicação do artigo 523, §1º, do CPC nos Juizados Especiais

Aplicação do artigo 523, §1º, do CPC nos Juizados Especiais



Opinião

O Fonaje (Fórum Nacional de Juizados Especiais) foi instituído com o propósito de uniformizar a aplicação da legislação nos Juizados Especiais por meio da edição de enunciados, que possuem natureza meramente orientadora, ou seja, não são vinculantes nem possuem força de lei, mas servem como diretrizes interpretativas para magistrados e operadores do Direito que atuam nesse âmbito.

No que tange ao cumprimento de sentença, o artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece a aplicação de multa de 10% e honorários advocatícios também de 10% no caso de inadimplemento da obrigação pecuniária dentro do prazo de 15 dias:

“Art. 523, CPC. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.”

A aplicação dessa disposição no âmbito dos Juizados Especiais fundamenta-se no artigo 52 da Lei nº 9.099 [1], que determina a incidência, no que couber, do CPC na execução de sentença nos processos de sua competência. Contudo, a expressão “no que couber” exige uma interpretação sistemática, resguardando os princípios norteadores dos Juizados Especiais, quais sejam, oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme previsto no artigo 2º da referida lei.

O enunciado 97 do Fonaje trata sobre a aplicação do artigo 523, §1º, do CPC, mencionando que são indevidos honorários de 10% caso a parte não pague o débito no prazo de 15 dias, incidindo tão somente multa de 10% e excluindo os honorários advocatícios:

“Enunciado 97, Fonaje A multa prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, ainda que o valor desta, somado ao da execução, ultrapasse o limite de alçada; a segunda parte do referido dispositivo não é aplicável, sendo, portanto, indevidos honorários advocatícios de dez por cento.”

Spacca

Todavia, como ressaltado anteriormente, os enunciados do Fonaje não possuem caráter vinculante, tratando-se apenas de orientações interpretativas que podem ou não ser adotadas. A exclusão da incidência dos honorários advocatícios, como preconizado pelo Enunciado 97, suscita questionamentos quanto à segurança jurídica e à adequação dessa interpretação à literalidade do artigo 523, §1º, do CPC.

Inclusive, o TJ-DF (Tribunal de Justiça do Distrito Federal) tem se posicionado no sentido de que deveria ser aplicado no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis o enunciado da súmula 517 do STJ, que dispõe:

“Súmula 517, STJ – São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.”

A justificativa adotada pelo TJ do Distrito Federal para adotar o enunciado da Súmula 517 em detrimento do Enunciado 97 do Fonaje baseia-se justamente no fato de que os enunciados do Fonaje não possuem efeito vinculante, ao contrário das súmulas do STJ, as quais, por força do artigo 927, IV, do CPC, configuram precedentes qualificados e impõem sua observância:

“(…) 4. Nos termos do art. 927, IV, do Código de Processo Civil, os enunciados de súmula do Superior Tribunal de Justiça são precedentes qualificados, o que impõe a sua observância. Dispõe o enunciado de súmula 517 do STJ que ‘São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.’ (STJ, Súmula 517).

  1. Demonstrada a aplicação e obrigatoriedade de observância das teses firmadas pelo STJ, não há dúvida de que referida tese deve prevalecer sobre os entendimentos expedidos, via enunciados, pelo FONAJE. ” (STJ, Súmula 517). (Acórdão 1182990, 20180020082044RCL, Relator(a): ROMEU GONZAGA NEIVA, Câmara de Uniformização, data de julgamento: 27/5/2019, publicado no DJE: 5/7/2019. Pág.: 560)”.

  2. Nesse contexto, merece reforma a decisão agravada, para que seja aplicado o art. 523, § 1º, do CPC. (…)” (TJDFT, Processo 0753683-02.2024.8.07.0000, relator: Flávio Fernando Almeida da Fonseca, órgão julgador: 1ª Turma Recursal, data de julgamento: 14/3/2025, publicado no DJe: 26/03/2025.)

Dispositivo do CPC, enunciado e princípios

Além disso, ao afastar a aplicação integral de um dispositivo legal expresso, o Enunciado 97 do Fonaje pode ser visto como uma afronta ao princípio da separação de poderes, pois, ainda que indiretamente, acaba por modificar norma prevista em lei. Ademais, a Lei nº 9.099/1995, em seu artigo 52, elenca taxativamente as alterações procedimentais aplicáveis ao cumprimento de sentença nos Juizados Especiais, e nenhuma dessas previsões permite a exclusão dos honorários advocatícios previstos no artigo 523, §1º, do CPC.

A aplicação integral do artigo 523, §1º, do CPC não viola os princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade que norteiam os processos no âmbito dos Juizados Especiais. Pelo contrário, o dispositivo visa justamente garantir maior efetividade à tutela jurisdicional, ao estimular o cumprimento espontâneo das decisões judiciais e reduzir a litigiosidade decorrente do inadimplemento.

Outro ponto relevante é que a exclusão dos honorários advocatícios reduz o efeito punitivo e coercitivo do dispositivo legal. O objetivo primordial do artigo 523, §1º, do CPC é incentivar o cumprimento imediato da decisão judicial, tornando desvantajoso para o devedor postergar o pagamento. A não incidência dos honorários enfraquece esse propósito, resultando em possíveis prejuízos à celeridade processual.

Por fim, importa diferenciar os honorários advocatícios previstos no artigo 523, §1º, do CPC daqueles estabelecidos no artigo 85 do mesmo código. Enquanto os honorários sucumbenciais do artigo 85 possuem natureza alimentar, conforme disposto em seu §14 [2], os honorários previstos no artigo 523, §1º, possuem natureza eminentemente sancionadora e coercitiva. Dessa forma, a intenção do legislador ao prever a incidência desses honorários não foi remunerar o advogado do exequente, mas sim ampliar os mecanismos de coerção para que o devedor cumpra tempestivamente a ordem judicial [3].

Conclusão

Portanto, a aplicação do enunciado 97 do Fonaje, ao afastar indevidamente a incidência dos honorários advocatícios previstos no artigo 523, §1º, do CPC no âmbito dos Juizados Especiais, compromete a segurança jurídica, reduz a efetividade da tutela jurisdicional e representa uma indevida interferência na atividade legislativa, em afronta direta à súmula 517 do STJ.

Em contrapartida, a observância integral desse dispositivo nos Juizados Especiais, conforme sua formulação original, assegura maior coerência e previsibilidade às decisões judiciais, além de preservar os princípios que orientam essa esfera processual, promovendo um sistema mais justo, célere e eficiente.

 


[1] Art. 52, Lei n. 9.099. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

I – as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional – BTN ou índice equivalente;

II – os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial;

III – a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);

IV – não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação;

V – nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado;

VI – na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária;

VII – na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou hipotecado o imóvel;

VIII – é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens de pequeno valor;

IX – o devedor poderá oferecer embargos, nos autos da execução, versando sobre:

  1. a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia;
  2. b) manifesto excesso de execução;
  3. c) erro de cálculo;
  4. d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença.

[2] Art. 85, CPC. §14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

[3] Nesse sentido: COUTO, Edenildo Souza. A integral aplicação do artigo 523, §1º do novo Código de Processo Civil nos Juizados Especiais Cíveis. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/51115/a-integral-aplicacao-do-artigo-523-1-do-novo-codigo-de-processo-civil-nos-juizados-especiais-civeis>. Acesso em: 11/03/2025.





Fonte: Conjur

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