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O Jogo de Poder e suas Contradições na alteração do Código Civil e Seus Impactos Estratégicos na atividade Empresarial

Relações Particulares sem Intervenção

O cenário jurídico brasileiro, tradicionalmente conhecido por sua minúcia e formalismo, prepara-se para uma mudança que afeta pessoas físicas e principalmente pessoas jurídicas contrastada com a falta de um timing de decisões. O anteprojeto de reforma do Código Civil, em discussão, chegou prometendo redefinir a dinâmica das relações contratuais entre particulares, com implicações diretas no mundo dos negócios, mas será mesmo que irá atingir sua finalidade?

A proposta de reforma surge em um contexto de crescente demanda por agilidade e flexibilidade nas relações empresariais. A excessiva intervenção estatal em contratos privados, muitas vezes desconfigura acordos livremente pactuados, gera insegurança e dificulta a tomada de decisões estratégicas.

A reforma busca supostamente um equilíbrio delicado, garantindo a segurança jurídica necessária para a estabilidade dos negócios, sem engessar as relações contratuais com excesso de formalidades.

As alterações  principais no âmbito contratual estão dentro de maior liberdade entre as partes, dentre elas:

  • A reforma privilegia a soberania das partes, permitindo maior liberdade na negociação de contratos.
  • Relevância de “usos e costumes” do local de celebração do contrato, considerando as práticas de mercado, mesmo que não estejam previamente reguladas.
  • A boa-fé, agora objetiva, exige transparência e lealdade nas negociações, sendo que a “violação da boa-fé” é expressamente caracterizada como inadimplemento.
  • A boa fé passa a ser um freio na revisão contratual sem que haja justificativa (apreciação subjetiva).

Contratos Digitais

Os contratos digitais passam a ter um reconhecimento de sua importância  e são integralmente validados, havendo a inclusão da definição de “aplicativo digital“, abrangendo plataformas que permitem a celebração, gestão e execução de contratos.

Os termos de uso das plataformas digitais “devem ser elaborados de forma acessível, transparente e de fácil compreensão para todos, incluindo informações sobre as ferramentas, os sistemas e os processos usados para moderação e curadoria de conteúdo”. Além disso, estarão sujeitas a auditorias anuais e independentes, por elas custeadas, para avaliar o cumprimento das obrigações de transparência e segurança.

Considerando que os conteúdos digitais possuem valor econômico, normatizou-se sobre o “patrimônio digital”, assim entendido como “o conjunto de ativos intangíveis e imateriais, com conteúdo de valor econômico, pessoal ou cultural, pertencente a pessoa ou entidade, existentes em formato digital”.  O titular terá proteção plena aos ativos digitais, especialmente contra acesso, uso ou transferência não autorizados, e poderá dispor dos direitos constantes do patrimônio digital em testamento. 

No entanto, é fundamental que os empresários invistam em sistemas de segurança e autenticação para garantir a validade e a integridade desses contratos.

Direitos do Credor, Limitação de Responsabilidade e Rescisão

Também passam a ser reconhecidas as cláusulas de limitação de responsabilidade ganhando maior segurança jurídica, com restrições à intervenção judicial para reduzir multas consideradas excessivas.

A alteração amplia garantias do credor em relações complexas, assegurando a possibilidade de rescisão antecipada quando houver evidência da possibilidade descumprimento de obrigações, inclusive permitindo a apropriação de bem dado em garantia em caso de inadimplência.

A resolução antecipada do contrato também passa a ter o reconhecimento permitindo gatilhos de rescisão por fatos que venham a impactar a relação após a assinatura do documento, confirmando o que hoje já é praticado.

Já as cláusulas de inibição de indenização passam a ser formalmente permitidas, ratificando o que as empresas de diversos segmentos já praticam.

As alterações referentes a limitações de responsabilidade, e regras de rescisão merecem muita atenção, pois podem gerar um ambiente de maior segurança jurídica onde a regra do jogo passa a ser clara, sem permissão para que intencionalmente sejam aderidas para depois serem forçadamente alteradas quando o Judiciário é acionado.

Frustração da Finalidade do Contrato

A alteração do Código Civil também criou a figura da “frustração da finalidade do contrato“, permitindo a rescisão em casos de desequilíbrio contratual por questões fora do controle das partes, trazendo o “fato superveniente” (situação que ocorreu após a assinatura) como motivo para provocar o fim da relação entre as partes.

Liberdade Nas Relações Particulares x Controle das Empresas Estrangeiras pelo Estado

Hoje as sociedades estrangeiras que investem no Brasil o fazem por meio de estabelecimentos subordinados  (agências, filiais, sucursais), com autorização prévia do governo federal, ou o fazem através de sócios ou acionistas em uma sociedade já constituída no Brasil.

O anteprojeto atinge diretamente a participação de sócios ou acionistas (dentro do segundo modelo de participação), indo na mão inversa do que hoje é praticado, criando barreiras regulatórias ao investimento estrangeiro.

Neste caso, o texto proposto evidencia que a possibilidade de ser sócio ou acionista de empresa brasileira decorrerá também de autorização do governo federal, gerando um obstáculo legal e burocrático para participação de capital estrangeiro.

É evidente que a redação do anteprojeto procura limitar a possibilidade que sociedades estrangeiras operem no Brasil guiadas por interesses de Estados estrangeiros, mas esses dispositivos não são contraditórios quando a proposta do anteprojeto é diminuir a intervenção estatal nas relações?

Um Novo Paradigma para as Relações Empresariais

A reforma do Código Civil representa uma lenta evolução do direito empresarial brasileiro, já vem envelhecida, muitos dos pontos citados já são praticados, mesmo que sem amparo expresso. A busca por um equilíbrio entre autonomia e segurança jurídica é fundamental para a construção de um ambiente de negócios mais dinâmico e competitivo, porém o legislador não tem o mesmo ritmo, nem tampouco tem ciência do que são as relações empresariais, sendo que a demora do legislativo em analisar temas como tecnologia, questões tributárias impacta nas necessidades da sociedade, e assim leis já nascem velhas e, muitas vezes deficientes na sua aplicabilidade, a falta de agilidade é o resultado nada mais do que a ausência de conhecimento, cumulada com falta de flexibilidade e visão estratégica.

Outro ponto importante é a liberação  e validação da livre negociação, o que obviamente gera uma autorregulação, em contrapartida há antagonismo  da ampliação dos poderes do Estado com autonomia para autorizar ou vetar a aplicação de capital estrangeiro (lícito) no território brasileiro, interferindo na liberdade empresarial.

E para finalizar…. já temos também o anteprojeto também  de reforma da Consolidação das Leis do Trabalho,  esse tema fica para a próxima…

Dr.(a) Teresa Cristina Sant’Anna
Dr.(a) Teresa Cristina Sant’Annahttps://drateresacristina.wixsite.com/direito
Advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós graduada em Direito Tributário e Empresarial, escritora, professora universitária, tendo atuação em instituições financeiras, multinacionais e hoje lidera o Departamento Jurídico e de Compliance de uma grande multinacional de tecnologia

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