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Tratamento tributário das subvenções



Opinião

O tratamento tributário das subvenções para investimento é um dos temas que mais revela a desarmonia do sistema tributário brasileiro. Desde a década de 1970, bilhões de reais vêm sendo objeto de disputas entre contribuintes e a administração tributária, em um cenário de instabilidade legislativa e posicionamento controverso da Receita Federal, causando reiterada judicialização da matéria.

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 Apesar dos fundamentos e princípios positivados no ordenamento jurídico afastarem a incidência tributária das subvenções governamentais, a Receita, historicamente, editou instruções normativas questionáveis com viés meramente arrecadatório. Em decorrência, a insegurança jurídica e as tentativas de consolidação normativa se arrastam por anos. Diante da ausência de pacificação legislativa, o tema acabou, inevitavelmente, no Poder Judiciário.

Um dos aspectos mais curiosos dessa controvérsia foi a segmentação jurisprudencial entre os tributos envolvidos.

O Superior Tribunal de Justiça firmou posição em regime de recurso repetitivo (Tema 1.182), reconhecendo que o crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Porém, logo após essa definição pelo STJ, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema em relação a outro tributo federal, a contribuição ao PIS/Cofins. No RE 835.818/PR (Tema 843), discutiu-se a possibilidade de inclusão das subvenções na base de cálculo dessas contribuições. Em julgamento no plenário virtual, o STF, por apertada maioria (6 a 5), afastou a tributação, mantendo coerência com a lógica anteriormente consolidada no STJ.

O risco de decisões divergentes entre os tribunais superiores foi real. Caso a vitória no STF não tivesse se concretizado, haveria, paradoxalmente, tratamentos distintos para tributos federais análogos, em clara afronta à coerência do sistema e à isonomia tributária.

Esse risco, contudo, ainda não foi totalmente eliminado. Embora o tema já tenha passado por julgamento virtual, ele ainda será apreciado em sessão presencial, o que demanda atenção dos contribuintes para o momento em que ocorrer esse julgamento.

Entre as tentativas de “resolver” a controvérsia, o governo federal editou a MP nº 1.185/2023 (posteriormente convertida na Lei nº 14.789/2023), conhecida como parte da chamada “reforma dos tributos diretos”. A norma, todavia, trouxe um viés preocupante: ao mesmo tempo em que reconheceu a natureza de subvenção das receitas questionadas, limitou a restituição dos contribuintes a um crédito de apenas 25%, no que aparenta ser um mecanismo de mitigar perdas arrecadatórias, ainda que em fatal desrespeito aos princípios constitucionais, em especial o pacto federativo e a segurança jurídica.

Esse modelo fragmenta ainda mais a discussão e fomenta a judicialização do tema em todo o país. Até o momento, a maioria dos TRFs, em linha com o posicionamento já consolidado no STJ, vem mantendo o afastamento da tributação. Ainda assim, verifica-se movimentação de alguns julgadores em sentido contrário, gerando suspeita se poderia ocorrer uma impertinente reversão ao sabor das necessidades fiscais do Estado, o que muitas vezes tem sido mais persuasivo do que a defesa de nosso ordenamento jurídico.

No âmbito da repercussão geral no STF eventual reconhecimento da validade da incidência tributária causaria uma insegurança abissal, subjugando a própria relevância dos posicionamentos históricos dos tribunais, além das decisões liminares ou sentenças favoráveis já alinhadas. Seria um tanto grotesco que contribuintes estivessem compelidos a recolher os tributos retroativamente, ainda que sem a incidência de multa e juros, mas sem o direito de se creditar das subvenções não habilitadas.

Modulação como álibi

Um outro capítulo que convém antecipar posicionamento é a recorrente prática de tratar a modulação de efeitos como álibi para os tribunais superiores “mitigarem os danos”, quando, na verdade, a falha está nas rotineiras idas e vindas de decisões ou nas ginásticas interpretativas que tornam o Direito uma fantasia para compor narrativas.

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O que se espera é o compromisso com os valores constitucionais e com a segurança jurídica. A prática da advocacia sente que o contribuinte, já calejado do passado recente, cada vez mais desacredita no Judiciário como o âmbito de gestão da legalidade que deveria moderar os excessos do Executivo. Isso não é mero detalhe que diminui o índice de satisfação do Judiciário, mas está no cerne da crescente crise entre o cidadão e os Poderes que coloca o país em rota de disrupção.

Uma mudança nesse tema tende a causar impacto econômico grave no setor produtivo e mais um dano psicológico na confiança empresarial, especialmente para empresas que confiaram a estrutura de seus investimentos na jurisprudência consolidada. De qualquer forma, ante as incertezas, tem sido recomendado às empresas cautela e validação de todos os cenários possíveis, a fim de mitigar riscos e evitar a perda integral de créditos.

No fim, esse é mais um capítulo de uma tragédia que tem par na história. O que se questiona é quais serão as consequências da lógica arrecadatória prevalecer sobre os princípios constitucionais e da máquina estatal insistir em enxergar o contribuinte como banco de recursos infinitos para cobrir as suas irresponsabilidades e excessos administrativos.

No caso concreto, o ponto central é verificar se o STF, caso venha reapreciar o tema, manterá a coerência jurisprudencial já firmada no STJ e em seus próprios precedentes, assegurando a proteção dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e do pacto federativo. Até lá, cabe aos contribuintes acompanhar de perto a evolução jurisprudencial e adotar estratégias de compliance tributário robustas para enfrentar a incerteza que ainda paira sobre o tema.





Fonte: Conjur

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