
A prisão (e liberação) do presidente e controlador do Banco Master, Daniel Vorcaro; a tentativa, por meio do PL Antifacção, de tirar prerrogativas da Polícia Federal dificultando investigações; e a resistência de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, à indicação de Jorge Messias pelo presidente Lula ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Isolados à primeira vista, esses fatos, na verdade, possuem relação que remonta à própria formação da República no Brasil e que vem se perpetuando ao longo da história: o pacto de poder entre as elites brasileiras.
Para resolver um problema, é preciso antes nomeá-lo. As elites do poder, usando uma terminologia do sociólogo americano C.W. Mills, consistem num pequeno grupo interconectado de líderes (políticos, empresariais e militares) que controlam as principais instituições e tomam decisões cruciais para a sociedade, em detrimento do cidadão comum.
Em Brasília, elas frequentam os mesmos círculos sociais e locais e compartilham valores muito similares entre si. Um exemplo claro desse conchavo entre as elites está no áudio da conversa entre Sérgio Machado e Romero Jucá durante a Operação Lava Jato: “Tem que ter o impeachment. Não tem saída (…) Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer]. (…) É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. (…) Com o Supremo, com tudo. (…) aí parava tudo. (…) Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir (…)”.
No caso da indicação de Messias, um dos temores no Senado em relação à sua indicação para ministro do STF é o de que ele se junte ao ministro Flávio Dino na investigação das emendas parlamentares. Sob Messias, a Advocacia-Geral da União (AGU) atuou em conjunto com Dino na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854 contribuindo tanto nas investigações sobre as emendas quanto na execução das decisões do magistrado.
O caso do Banco Master talvez seja o que mais chama a atenção para as articulações que visam livrar de investigações e punições a classe empresarial e política. Vorcaro, presidente do Banco Master, é suspeito de integrar um esquema de emissão de títulos de créditos falsos, respondendo pelos crimes de gestão fraudulenta, gestão temerária e organização criminosa. Ele foi preso em 18 de novembro, porém, após dez dias, foi solto por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
Vorcaro possui relações com políticos importantes, como o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira, o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, e com o ex-presidente Michel Temer (MDB), a grande “eminência parda” nacional. Temer, por sua vez, possui relação direta com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e foi chamado em setembro para tentar destravar a aquisição do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), barrada pelo Banco Central.
Entre 2022 e 2024, Vorcaro financiou eventos que contaram com a presença de ministros do STF. Nesta semana, jornais revelaram que o ministro do STF, Dias Toffoli, viajou para o Peru para assistir à final da Copa Libertadores na companhia de cerca de 15 pessoas, entre elas o advogado do diretor de compliance do Master, Luiz Antônio Bull.
Toffoli é o mesmo que, atendendo a pedidos da defesa de Vorcaro, decidiu que as investigações sobre o banco ficarão a cargo do STF e classificou o processo como “sigiloso”. Com o aumento do sigilo, nem informações mínimas como as iniciais do autor da ação ou a relação completa dos advogados ficam visíveis. Na prática, o ministro garante que só o que ele quiser será divulgado.
Para além do papel do Judiciário dentro das articulações das elites, é importante destacar a importância da casta militar no Brasil, que ao longo de toda a sua história republicana sofreu com diversas intervenções desse grupo na política. Desde o golpe militar da Proclamação da República, o Exército criou a abstração de que poderia substituir o “Poder Moderador” do imperador e atribuir às Forças Armadas o papel de arbitrar os conflitos entre os poderes constituídos, embora essa função não conste na atual Constituição de 1988 e nem nas Cartas Magnas anteriores.
É perceptível o tratamento especial dado aos fardados e a vontade de separar os militares golpistas condenados pelo 8 de janeiro das instituições que compõem as Forças Armadas, embora estas tenham permitido acampamentos golpistas em frente aos seus quartéis durante semanas e tenham composto o governo Bolsonaro em todas as instâncias do Poder Executivo federal como nunca havia se visto desde a própria ditadura militar, com militares ocupando as posições de presidente, vice-presidente, ministros e mais de 6.000 cargos de órgãos do Executivo.
Em diversas declarações, tanto Dino quanto Moraes afirmaram que os militares julgados pela tentativa de golpe do 8 de janeiro eram exceções, indivíduos podres, que não representavam as Forças Armadas. O próprio fato do ministro da Defesa, José Múcio, que na prática atua como um porta-voz dos militares, ainda permanecer no cargo mostra o nível de submissão das instituições brasileiras ao poder armado. Múcio fez questão de dizer que estavam sendo presos militares por seus CPFs, por suas responsabilidades pessoais, e que a prisão fecha um ciclo difícil para as Forças Armadas.
Especialistas que estudam a classe militar, como o antropólogo Piero Leirner, afirmam que na verdade Bolsonaro foi um produto criado pelos próprios militares, como pode ser visto inclusive no vídeo do lançamento de sua candidatura dentro da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em 2014, e não alguém que os comandava, como a interpretação vigente na mídia costuma tratar as relações entre eles. Bolsonaro teria sido um “cavalo de Tróia” para que os militares chegassem ao poder e nele permanecessem.
Não por acaso o relatório final da CPI da Covid, que recomendou o indiciamento de mais de 60 pessoas físicas e jurídicas, entre elas diversos militares que integravam a pasta do Ministério da Saúde à época, foi sumariamente arquivado a pedido da gestão do ex-PGR, Augusto Aras.
“É sobejamente sabido que, como os órgãos de inteligência das três Forças atuam sem nenhuma supervisão de qualquer tipo (supervisão por parte da cidadania, por parte do Legislativo), são famosos em Brasília os supostos dossiês que os órgãos de inteligência das Forças Armadas teriam e poderiam ventilar de forma inominada, com relação à vida privada e à vida pública de muitos políticos”, afirmou o professor da Unesp Alexandre Fuccille, mestre e doutor em ciência política, em entrevista ao Nexo.
Infelizmente, estão representados aqui apenas alguns exemplos das relações pouco ou nada republicanas entre os poderes políticos, empresariais e militares no Brasil.
Para destrinchar melhor este tema, seria preciso um artigo muito maior do que o espaço disponível para esta coluna, mas o que se pode concluir por ora é que enquanto existir no Brasil uma simbiose entre a coisa pública e os interesses privados de elites do poder, jamais poderá ser dito que o país vive sob um regime democrático de fato cuja soberania reside na vontade popular. São os pactos e acordos entre essas elites e suas castas que ditam os rumos da nação.
Fonte: Jota
