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A jurisprudência do STF sobre ICMS e ISS será considerada para o IBS e a CBS?



A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 teve como objetivo promover o fim da fragmentação da tributação sobre o consumo, por meio da inserção, no Sistema Tributário Nacional, de espécie de Imposto Sobre Valor Agregado – IVA “dual”, no caso, o IBS/CBS que substituirão, gradualmente, o Pis/Cofins, o ICMS e o ISS para uniformizar a tributação sobre o consumo[1].

Observada a materialidade desses novos tributos, que, ante o perfil compartilhado que lhes foi previsto, incidirão, simultaneamente, sobre “operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços”, é possível verificar que a hipótese de incidência do IBS/CBS tende a englobar aquelas relativas ao ICMS e ao ISS.

Nesse contexto de sucessão de regimes tributários marcada por expressivos pontos de contato entre novos e – futuramente – “velhos” tributos surge a seguinte indagação: a jurisprudência, em nível constitucional, relativa ao ICMS e ao ISS deve ser considerada na interpretação e aplicação das regras concernentes ao IBS e à CBS?

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A tentativa de responder a essa pergunta demanda a análise e a investigação de múltiplos fatores envolvidos na formação e aplicação dos precedentes do STF. A busca por uma resposta compreende analisar aspectos tais como a delimitação da ratio decidendi dos julgados do Supremo; o quórum de proclamação das decisões que se pretende analisar; as alterações na composição do Tribunal em relação ao momento que os precedentes analisados foram formalizados; o impacto dos novos princípios inseridos no Sistema Tributário Nacional, por meio da EC 132/2023[2], em especial, o da neutralidade; os reflexos da não cumulatividade ampla e plena que marca IBS/CBS; além de outros elementos que poderão ser aventados no percurso dessa análise.

Sem a pretensão de encontrar respostas imediatas, até pela abrangência inerente aos temas envolvidos nesse estudo, o presente artigo busca lançar luzes sobre determinados aspectos, no intuito de pavimentar o início de um caminho possível para a solução da pergunta formulada.

Como ponto de partida, sugere-se analisar o comportamento do STF por ocasião da sucessão de regimes constitucionais tributários, para saber se, em alguma medida, os pronunciamentos do Tribunal formalizados sob a regência de disciplina constitucional anterior, considerada a ordem tributária pretérita, possuem caráter persuasivo em relação às controvérsias atuais atinentes aos tributos sobre o consumo vigentes.

Exemplificando essa linha de investigação com um dos tributos que será extinto, oportuno rememorar o julgamento do RE 158.834[3], a versar controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual que, para fins da incidência do ICMS, equiparava a operações de saída a integração, ao ativo fixo, do que produzido pelo próprio estabelecimento.

Na ocasião, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao analisar o alcance do termo “circulação”, recorreu a pronunciamentos do STF sob a égide da Constituição anterior, considerado o antigo ICM (Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias), salientando a identidade substancial que havia entre este último tributo e o ICMS. Observada essa premissa, fez constar que se o deslocamento físico da matéria-prima entre unidades de uma mesma empresa não constituía, no regime pretérito, fato gerador do ICM, seria “razoável a assertiva de que, na sistemática atual, a integração no ativo fixо de bens produzidos no próprio estabelecimento não configura hipótese de incidência que possa derivar da matriz constitucional do ICMS”

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Em outro momento, no âmbito do julgamento do Tema nº 456 de repercussão geral, o Ministro Dias Toffoli, ao assentar a insuficiência de delegação genérica em lei para autorizar-se a cobrança antecipada do ICMS, evocou entendimento do STF, no caso o RE nº 111.152/SP, de Relatoria do Ministro Aldir Passarinho, também sob o regime constitucional tributário pretérito, oportunidade em que o Tribunal proclamou a inconstitucionalidade de Decreto do Estado de São Paulo que estabelecia a cobrança antecipada do ICM.

Conforme passagem do voto lançado, o Ministro Dias Toffoli consignou a ilegitimidade do diálogo com o ato infralegal em branco, amparado no entendimento do RE nº 111.152/SP, quando o STF entendeu que “seria inconstitucional a delegação genérica contida na lei, a qual admitia a exigência do ICM antes da remessa da mercadoria, sem determinar, contudo, que momento seria esse”

A construção da linha de entendimento desses precedentes relacionados ao ICMS levou em conta, ao menos como recurso argumentativo, julgados pretéritos do Supremo envolvendo tributos sobre o consumo relativos ao regime constitucional anterior, no caso, o ICM, que veio a ser substituído pelo atual ICMS, a denotar que houve uma preocupação de garantir-se a coerência interpretativa do Tribunal nessa sequência evolutiva dos tributos.

Consideradas as razões externadas nesses pronunciamentos, é possível dizer que essa concatenação entre antiga e atual jurisprudência advém não só da proximidade que há na terminologia dos impostos sucessor e sucedido, como também em razão da materialidade revelada por esses tributos.

É essencial ter presente a significação própria dos vocábulos, porquanto é na pureza da linguagem que reside a segurança jurídica dos preceitos constitucionais, mas não é nisso que se esgota o dever de coerência a ser preservado pela jurisprudência do STF. Conforme observado na passagem transcrita do RE 158.834, o Ministro Sepúlveda Pertence utiliza como ponto de partida para definição do alcance do termo “circulação”, para fins do ICMS, a compreensão anterior da jurisprudência atinente ao ICM, atento não só ao sentido próprio do vocábulo, como também à materialidade sobre a qual havia a incidência tributária; à dinâmica das manifestações de riqueza que se buscava alcançar.

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Nesse contexto, difícil seria conceber que a mera alteração de nomenclatura dada aos novos tributos, que também incidem sobre o consumo, implicaria desconsiderar todo esse arcabouço jurisprudencial construído pelo Tribunal no tocante às controvérsias envolvendo ICMS/ISS, quando em jogo materialidades com expressivos pontos de contato com o que se tem atualmente.

Sobre esse entendimento do STF acerca do termo circulação, o próprio legislador, ao elaborar a LC 214/25, a ele se deteve quando, no art. 6º, inciso III, dispôs que o IBS e a CBS não incidem sobre a transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte, imbuído da legítima expectativa de que essa jurisprudência seria mantida nessa circunstância, dada a similitude, neste ponto, com relação à dinâmica do ICMS.

Não se está a ignorar os novos aspectos trazidos pela Reforma Tributária do Consumo que, como ressaltado anteriormente, podem impactar a compreensão do IBS e da CBS, estabelecendo um novo norte na evolução semântica das materialidades dos tributos à realidade que se impõe.

No entanto, forte no primado da segurança jurídica e do dever de os Tribunais assegurarem a estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência[4], espera-se que os entendimentos atuais do STF em relação ao ICMS e ISS balizem a interpretação a ser conferida ao IBS/CBS, quando em jogo aspectos comuns a esses tributos.

Nesse sentido, presente o aspecto cogente da harmonia interpretativa, no caso de o STF adotar entendimento relativo ao IBS/CBS que, em alguma medida, ainda que como razão de decidir, supere a ótica adotada anteriormente em relação a algum aspecto comum ao ICMS/ISS, caberia ao Tribunal o desenvolvimento de um maior esforço argumentativo para demonstrar as razões para esse avanço jurisprudencial.

O horizonte em face do novo regime jurídico-tributário a ser implementado ainda é pincelado por incertezas e indefinições, mas o benefício de um olhar retrospectivo pode ser útil para desvelar um caminho seguro.


[1] O IPI não será extinto, mas apenas terá alíquotas reduzidas a zero, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, conforme critérios estabelecidos na LC 214/25

[2] Camano, Fernanda Donnabella. Precedentes do STF: como ficam no ambiente da reforma tributária? Conjur. Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-ago-20/processo-tributario-precedentes-stf-ficam-ambiente-reforma/

[3] RE 158834, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, acórdão publicado no DJ de 05-09-2003).

[4] Art. 926, do CPC/15. “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”



Fonte: Jota

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